Como a água que corre

DA HORTA AO PRATO
Aproveitando o embalo da orografia e dos seus pronunciados declines, descemos até ao vale onde se encontra a vila, para espreitar o Socalco Nature Calheta. Inaugurado em 2020, este singular hotel aproveitou as linhas dos socalcos preexistentes, usados para o cultivo de vinhas e de hortas, para encaixar na pendente virada ao mar uma fileira de quartos construídos em basalto e vidro, mal se dando por eles no enquadramento da paisagem.
Este é apenas um dos aspetos que torna tão particular o projeto do chefe madeirense Octávio Freitas, que o concebeu para incluir uma proposta de restauração com assinatura, totalmente dedicada à gastronomia local. Aqui, serve-se um guloso pão feito todos os dias no forno de lenha, assim como carnes assadas em temperatura lenta, e a carta é confecionada diariamente a partir do que a terra dá.

Todos os dias chega à mesa peixe e marisco do Atlântico, ovos colhidos nos galinheiros da vizinhança e os produtos colhidos pelos jardineiros hortelãos, à porta dos quartos dos hóspedes. A horta é farta em produtos locais. Pitanga, beterraba, acelgas, batata-doce, tomate, couve, maracujá, banana, caril e braçadas variadas de aromáticas, cujo odor sobressai entre as linhas de rega nos pedaços de terra fresca. O conceito deste agroturismo, que se desenvolveu em torno da agricultura de socalco, é precisamente proporcionar ao cliente uma genuína proximidade da terra, para que, através de todos os sentidos, se possa sentir a ilha com vagar. Para completar a experiência (como agora se usa muito dizer) de farming, organizam-se aulas de cozinha com o chefe, assim como passeios gastronómicos e vinícolas pela encosta, onde se produz o Galatrixa — um regionalismo local da palavra lagartixa —, que é a primeira incursão de Octávio Freitas no universo dos vinhos.